domingo, 22 de janeiro de 2012

ALFABETIZAÇÂO_______Lição inicial: A letra Z

Na cozinha da tia Zélia
Reina a maior confusão:
São passadores no teto,
São panelas pelo chão...

São as colheres, os garfos,
As facas, sem poiso certo,
São as chávenas sem asa...
Os pratos em monte a um canto
Do lava-loiças partido
Com a torneira a verter...

É um triste pano de pratos
Que de abandono se perdeu...
É uma pega que ardeu
Ao acender o fogão...

Foram os copos que tombaram,
As tampas que rebolaram
Com estrondo pelo chão...
Onde estão os bons temperos...
A sálvia, o tomilho, a salsa,
Orégãos e mangericão?
Ai a pobre da Zuelma
Que pegou no tacho quente
E na asa se queimou...

Desanimada com tudo
Pôs-se a chorar a um canto...

_Já passou o furacão?
O que foi que aconteceu?

Bom, a tia adoeceu,
E como vive no campo
Numa casinha de fadas, engraçada e sem arrumos,
Não tem armários que cheguem.
E é tudo arrumado à vista
Em sítios que só ela sabe.
A sobrinha, bem novita, quis ajudar
E atrapalhou-se; não conseguiu organizar-se.
Que grande complicação!

O jantar já se estragou,
Foi tudo parar ao chão...
E que comem hoje à noite?
Irão prà cama sem ceia?
E quem remedeia o desastre
E põe jeito
A tal desleixo, confusão e reboliço?!

O mano Zeca é mais calmo.
Enxuga as lágrimas à mana
E tenta descomplicar:
_O jantar? Ovos mexidos e fruta,
Pão com queijo e leite morno, E ao estômago dão conforto.
Uma papinha prà tia
E maçãzinha ralada por ele...
Um chazinho de cidreira, quentinho, pra rebater.

E o resto?!

Vamos lá a ver:
Primeiro varrem-se os cacos
E deitamo-los para o balde.
Limpa-se a comida espalhada...
Lava-se o piso com a esfregona.
_Vamos! Ajuda-me aqui.
Anda anima-te, chorona!
Apanha-me aí essas tampas
E mete-as na panela grande
Do cozido à portuguesa.

_E esta desarrumação?
_Deixa estar, mana, sossega,
Amanhã tratamos disso.

Assim foi:
Estavam de férias da escola, por isso
No outro dia,
Bem cedinho e bem disposto,
O Zeca,
Duns caixotes sem préstimo
Que encontrou esquecidos
A um canto do celeiro,
Limpou-os, poliu-os, pintou-os
Com habilidade e preceito.
(Grades de fruta vazia,
Velhas caixas de sabão)
Fez armários, prateleiras...
Cestos de arrumação...

Fixou-os uns bem na parede
E lá arrumaram tudo
Com ordem, esmero e gosto.

Fez um cabide para os panos
De uma colher de pau.
Um suporte para as facas
Com duas réguas de madeira.
Então, arranjou depois
Uma caixa de sapatos
Nova e a cheirar a limpo
Que a Zuelma forrou:
Meteram dentro os talheres
Separados, já se vê.

Os caixotes de madeira
Guardaram pratos e copos
Bem à mão, em lugar próprio.

A Zuelma costurou
Umas cortinas bem bonitas
Com tecido que aproveitou
De um vestido encostado
Que a tia já não usava
Há tempos, por andar de escuro,
E sem procurar encontrou.

Até parecem novinhas...

Era florido o vestido,
E a tapar a loiça e o pó
Dá gosto vê-lo ali!
E que bem que então ficou!

Fez um avental com o resto
E o conjunto ficou ótimo.

Com meias velhas e rotas,
Mas mito bem lavadinhas,
Do pai e também do irmão
Que a mãe queria palmilhar
Mas sem ter tempo pra isso
Era certo que iam fora
Fez umas pegas bordadas
Para não queimar a mão.

Levaram nisto alguns dias,
Mas o resultado viu-se.

Trouxeram mais prateleiras
De que a mãe já não gostava.
Pintadinhas, bem pregadas,
Ficaram uma maravilha.
Com os frascos dos temperos
Alinhados e a brilhar...
(Eram do café já gasto,
Estavam juntos para o vidrão)...

Lavaram e pintaram bem
Latas velhas e vazias.
_Ficaram tão engraçadas!

Por fim, as etiquetas coladas
Marcaram tudo:
Guardaram logo o arroz, a massa,
O açúcar, a farinha,
O feijão e, claro, o grão.

Agora tudo limpinho,
Arrumadinho e bonito
Cozinhar é um prazer!

Na mesa bem esfregada
Um pote alegre de zínias
Que a Zuelma não esqueceu...

Melhorou um pouco a tia
E logo vai-se levantar.
Quando ela vir, espantada,
A sua nova cozinha,
Muito vai apreciar.

Há um lugar para cada coisa,
E se bem queremos estar
E o serviço render
É bom que sempre tenhamos
Cada coisa em seu lugar.

Com sobrinhos tão amigos
Esforçados e jeitosos
A tia Zélia é feliz.
Abre os braços amorosos
Estreita-os ao peito e diz:
_Obrigada, meus amores!
E repenica-lhes, contente, um grande beijo no nariz.

Num velho cesto de flores
Sem uso nem alegria
Que espetaram na parede
Ordenaram por tamanhos
As úteis colheres de pau.

Uma velha portinhola
Esquecida no saguão
Desinfetada e lixada
Deu uma bela grade
P'ra pendurar caçarolas.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

AQUI E AGORA

em forçado movimento
fruir no rosto
a serenidade da brisa
correndo imutável a passar
clarear este momento
reaprender a caminhar

aguçar os olhos
no gume da dor
acerá-los
quebrar no peito
a corda inaudível
dum sonho impensado
impossível e presente
e seguir a melodia

nestes instantes amargos
não deixar de confiar
dar graças pelos afetos
guardar cantigas no bolso
durante a subida a pulso
pra n'amargura gastar

parar para respirar

correr contra o medo
arrostar o tormento
perder-me pra me ganhar
desistir da revolta
porque nada vai mudar

é assim que tem de ser
é assim que vai ficar

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

REFLEXÕES NATALÍCIAS

NATAL E SAUDADE
Uma atmosfera festiva e artificial
Mendigos estendendo a mão
Um sentimento nostálgico e pungente
Invade quantos desejam mais
Que anjinhos de tarlatana
Cobertos de purpurina
Árvores de plástico
Enfeitadas de bolinhas
Presépios estilizados
Falsos sorrisos falsos dourados
Presentes de obrigação


Pressa. Rostos fechados.
Passa gente...
A noite cai de repente
Para mais uma festarola sem história.


Nos fundos da minha memória
Sobrevive uma época mais real
De afectos partilhados
(Talvez a saudade os manipule e adoce)


E o Menino no Presépio
Construído em união
Com trabalho e alegria
_ As idas ao bosque colher musgo
Ou a pintura manchada do papel de jornal
A imitar rocha, natureza, serra...,
os raminhos de pinheiro...
O azevinho desenhado, pintado, recortado e espalhado
pela mesa modesta e farta... Em dia de festa o passadio era bem esmerado.
O desembrulhar cuidadoso
Das figuras simples de barro
Arrumadas piedosamente pela mãe
em conjuntos intencionais.
O estábulo de madeira atraía os nossos olhares
As imagens em adoração O Menino de barro deitado em rústica mangedoura
Os pastores
A orquestra
As lavadeiras
Os magos que se aproximavam devagarinho do palheiro
As ceifeiras
O regato de celofane amarfanhado
O lago de prata com patinhos de cera dentro
O moinho com as pás a girar ao vento inventado
As grinaldas de hera...

A avó velhinha que amassava
e tendia no joelho
As filhós que fritava
numa enorme e fumegante sertã
(Não sei porquê sabiam sempre melhor no tabuleiro
Quando mais húmidas e endurecidas
se já estavam a acabar)

A reunião familiar
em consoada
E o lugar cativo
na mesa
Preenchido invariavelmente
Pela solidão de algum vizinho
Desamparado ou triste

Os brinquedos amanhecidos
Pelo sobressalto dos mais novos
Que afirmavam ter ouvido e acordado
Pelos passos leves de Jesus Divino
(Na verdade estavam arrumados, encafuados, dentro dos sapatos no fogão...)
(Eram poucos e baratos
Mas tão especiais!)


A sensação de plenitude e alegria
Que perduravam...!

Ai! Que saudades do Natal!!!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ONDE O ARADO EMPRESTADO ME REVOLVE AS EMOÇÕES

JULHO DE 2010

O grito explode-me nos olhos
molhados de ternura
onde o brilho ficou baço



A coragem diluída
numa imensa desilusão
pela mentira da vida



Estremeço
e o canto
de lágrimas molhado
já o retrato desfez



Uma mão cheia de pedras
uma réstea de sorrisos
e a bolsa plena de dores



Estragos que a vida fez.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

ALMOÇO DOS ANTIGOS ALUNOS DO LICEU ANTÓNIO ENES

Dia 20 de Novembro. Sábado. Dia de ficar ilhada por falta de transportes públicos.
Embora tenha calhado deitar-me tarde, bem tarde, levantei-me cedo para poder apanhar o único autocarro do dia para Santarém. Às 8.30.
Desci na ponte e fui com o "Fernando", um bocadinho a pé, um bocadinho andando até à estação dos caminhos de ferro.
Subi para o comboio intercidades, uma agradável viagem até Santa Apolónia. Chegada lá, e felizmente esquecida da cimeira, tomei um táxi para o Cais do Sodré.
Barco para Cacilhas, (e lamentei não conseguir encontrar_também não procurei, diga-se a verdade_ um restaurante onde almocei com os meus pais era eu pequenita, o Carlos ainda não tinha nascido. Ficou-me na memória porque, criança de tenra idade que eu era, Me deslumbrei com as paredes cobertas de conchas, objectos de decoração cor de rosa e nácar, um berço em tamanho natural de conchinhas cor-de-rosa... E o meu pai pediu para ele açorda de camarão).
Depois, e porque o último mail que vira, do Eduardo Marques, me indicava o Pragal para o nosso encontro, iria lá buscar-me, novamente autocarro para esse destino.
Depois atrapalhei-me. O telemóvel deixou de funcionar. Não podia fazer nem receber telefonemas. Pouco habilidosa com as tecnologias modernas, fui pedindo que mo consertassem. Cada pessoa que, com a melhor das boas vontades, lhe mexia, estragava mais.
No Pragal, como não soubesse onde descer para facilitar a boleia, andei, andei, andei... Até que comecei a tentar organizar-me. Quem tem boca vai a Roma, e não tenho vergonha de perguntar.
Lembrei-me então que o almoço seria na Trafaria. (Nunca lá tinha ido. Quando era pequena tinha tido uma caneca da feira com uma vista do sítio. Era a minha única referência...)
No autocarro, e como já perdi a vergonha de falar com estranhos (estranha era eu... forasteira de pai e mãe) fui perguntando onde havia de descer... Restaurante pertencendo aos antigos donos do PIRI PIRI em LM, e o velhote que estava à minha frente era de Ulme, perto de mim, vivia em Almada e ia de propósito lá buscar um frango para o almoço... Logo me colei a ele, claro.
Chegando, perguntei se era ali o evento. SIIIMMMM......
Mandei uma mensagem ao Eduardo e esperei. Andando, porque os "anões" não me dão sossego.
Então chegaram. E tal como eu temia... não conhecia ninguém. Mas fiquei a conhecer. Gente boa. Mais novos, quase todos... Mas com vivências semelhantes, interessantíssimas, bem dispostas, amigáveis.
Conversámos, brincámos, comemos comida moçambicana, trocámos e-mails, outros contactos... Uma família.
Parecia que o tempo se suspendera e a simpatia nos envolvia em memórias, partilha de vidas...
E mistério.
Quando coloquei os meus olhos na Teresa Lopes logo senti que a conhecia. E bem. De onde? Da apresentação do "XICUEMBO" do Carlos Gil meu irmão? Talvez. Ela confirmou ter estado lá... Mas tinha a certeza que não era só isso.
Depois tenho uma vaga ideia... Talvez errada. A Teresa é artista plástica, quem sabe não foi ou é professora e conheci-a há anos, num congresso da FENPROF em Lisboa?
Tenho de perguntar-lhe.
E o que ali foi de gente talentosa! Uma honra subida conhecê-los.
(Não fora o cansaço e o adiantado da hora nomearia os seus nomes, com algumas considerações). Penso voltar ao assunto em breve.
Todos já me contactaram, pedidos de amizade no Facebook, enfim. Vê-se bem que são de Moçambique e do Liceu António Enes.
Sábado que vem volto a Lx. Ao Linhó. (Penso não ficar lá presa, não me dava mesmo jeito)...
E para quê?...ALMOÇO DOS ANTIGOS PROFISSIONAIS DA RÁDIO de LM. Vou encontrar lá os que já reencontrei em Março, e outros que não tive ainda ocasião de rever. Estou que nem me aguento de tanta expectativa.
Que fantástica romagem de saudade tenho vindo a protagonizar desde há seis anos! Parece de propósito e sinto-me feliz.
Me aguardem!

ESSENCIAL

Dás-me num olhar
a energia mágica dos sentidos
oceanos de ternura nos teus gestos
maremotos de emoções na minha vida
música e ritmo no meu sangue
em sobressalto

O teu bronze macio
como argila moldável
elemento dúctil
e activo
entre os meus dedos
esculpindo dias claros
e madrugadas de êxtases
num tempo que é só nosso
na distância por achar.