PELA BOCA MORRE O PEIXE
O "Margó" era um boçal
Que em seu falar ordinário
Empregava o palavrão.
Não o fazia por mal,
Era o seu vocabulário,
Uma força de expressão.
Tinha o freio bem cortado,
E com homem ou senhora
Era sempre o mesmo tom.
Um dia foi contratado
Pra criado de lavoura
Em casa de Dom Dion.
Este era um fidalgo antigo
Que à Cruz tirava o chapéu,
Todo escoifado do pó.
Quando tal soube, um amigo
Levantando as mãos ao céu
Preveniu logo o "Margó":
_Se vais pra lá trabalhar
És corrido como um cão
por falar com indecência!
_O quê? Cando eu le falar
É de barrete na mão
E só por Vossa Incelência!
E assim foi... dois ou três dias,
Muito seguro de si
Pelo nó que à língua dá,
Todo ele são cortesias:
Vossa Incelência pr'aqui,
Vossa Incelência pr'acolá.
Era uma rica vidinha!
Como o lugar era bom,
Tinha certo o ganha-pão.
Até que um dia, na vinha,
Aparece o Dom Dion
Montado no seu alazão.
Mas o cavalo fogoso
Tais floreados arranja
Que embica numa raiz;
E o cavaleiro garboso
No chão da meia-laranja
Foi esmurrar o nariz.
Vem o "Margó" a correr
Para acudir ao patrão
Com a maior reverência.
E enquanto o ajudava a erguer
Perguntou-lhe, em aflição:
_Magoou-se, Vossa Incelência?
_Não, João, não me magoei,
A Divina Providência
Estendeu-me a Sua Mão.
_Nim sabe como eu fiquei
Cando vi Vossa Incelência
Bater c'os cornos no chão!
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