Nos pés sinto o macio
das meias de algodão
que defendem a pele
da terra das sandálias.
Nas mãos palpo tesouros
no segredo dos bolsos
do bibe de quadrados
que cheira a ferro quente.
Na linha do umbigo
um elástico aperta
as cavas incomodam
na blusa que encolheu
há uma comichão
na nádega redonda
no joelho esfolado
repuxa a cicatriz.
o cieiro macula
a seda da bochecha
há um dente que falta
e que custa a nascer
a franja sobre os olhos
precisa ser cortada
as pestanas a jeito
decompõem a luz.
A minha mãe presente
é sobretudo a saia:
o seu perfume quente
é sobretudo a anca.
E as conversas de adulto
imensamente alheias
desenrolam-se aquém
do que em mim se formula.
É a hora interior
de ter que estar quieta
de olhar com atenção
as rosas do tapete:
que bom imaginar
grutas sob as cadeiras
o vermelho é a areia
o azul é o mar.
Desembrulho um bombom
que guardei todo o dia
está mole e pegajoso
a prata não descola
mas a língua descobre
o seu gosto a metal
e cospe sob a mesa
os destroços brilhantes.
Depois é só juntá-los
fazer uma bolinha
segurá-la nos dentes
entre o cuspo castanho
e já tenho um navio
no azul do tapete
a contornar os perigos
das rosas delirantes.
É hora de dormir
já me levam ao colo
lambuzo a chocolate
o pescoço da mãe
o elástico desce
o chichi é tão quente
o pé fica dormente
se me deixam aqui.
O quarto é outro mundo
o escuro conhecido
a mancha da parede
tem um gato que eu sei
e o beijo da mãe
a roupa aconchegada
são o dom do prazer
ao corpo absoluto.
O sono é outra coisa:
o cheiro da almofada
a posição de feto
a orelha tapada.
E por dentro da cama
em segredo só meu
saboreio a palavra
que uma fada me deu.
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