sexta-feira, 1 de maio de 2009

A ALFACE--------------------------------------1977

Aparentemente um bilhete tão simples e lacónico não valia aquela reacção brusca de desespero impotente... Mas era assim mesmo que se sentia: esmagado-- em pânico!
Olhou novamente a pequena nota pousada despudoradamente em cima da cama: "Fui às compras. Rita." E de novo cerrou os punhos com força.
Conhecia-a bem, no seu papel assumido de consumidora inconsciente e compulsiva, do género de «tirar la casa por la ventana»... Via-a, contente e ligeira, passando em revista os escaparates do grande armazém, e detendo-se neste balcão, ou naquele, casual e displicente, comprando à toa, sem um plano, uma necessidade, ou um desejo real. Comprando pelo simples prazer de adquirir, aqui um bâton, acolá um perfume, mais à frente um casaco, uma revista..., depois umas meias..., uns sapatos, um lenço...,um quadro..., uns brincos... et voilá-- um livro...
E se a disposição fosse melancólica, o estrago seria maior ainda, e as cifras encavalitar-se-iam na caixa registadora, sem que ela se desse conta... E, oh lembrança atroz!, se Rita tivesse entrado numa boutique-- arejando o dinheiro de plástico, ou, horror!, se se tivesse lembrado de ir até ao Centro Comercial, onde tinha crédito permanente em algumas lojas?... De lá viria ela carregada de embrulhos e caixinhas, alegre e inocente, sem fazer ideia do que debitara na já avultada conta mensal... Não! Decididamente, não! Não podia ser! Mas vendo bem...
Para que lançara ele aquela piada de mau gosto ao beberricarem café...? Não fora intencional, claro, mas demasiado conhecia ele os toques que ela acusava...
Mas talvez... Sim, bem, o Centro Comercial ficava precisamente do outro lado da cidade... E com este trânsito... Lembrou-se de reparar se o carro dela estava estacionado onde o deixara na véspera.
Não tinha completado o gesto de levantar toda a sua altura desajeitada da poltrona onde se afundara... e uma chave rodou na fechadura.
--"Mário! Já chegaste?"
Calou-se, na defensiva, esperando a aterradora aparição.
--"Olá, querido! Pensava demorar-me mais, mas a sorte foi não haver quase ninguém na frutaria da esquina. Comprei uma bela alface para o jantar. Que sorte, hein!?"


Ora vejam a salada que Rita preparou para o Mário:


"SALADA DE ALFACE"
Tomam-se as folhas de alface bem tenras e viçosas; lavam-se, muito bem lavadas, em água corrente. Junta-se-lhes um pouco de pimpinela (e eu que nem suspeito que raio de erva ou produto hortícola será isto... Só me lembro da Pimpinela Escarlate da minha infância), rodelas finas de cebola, pétalas de flores de chagas vermelhas, e tempera-se com um molho feito com azeite, vinagre e sal refinado (pouco), ligado à parte, que se deita na hora de servir.
Não havendo pimpinela, pode temperar-se o molho com vinagre de estragão em vez do vinagre comum, o que lhe dará um sabor único, muito especial e agradável.


Bom apetite! E não façam muitas compras, que o tempo não está para folias... Dediquem-se ao artesanato para espantar as sombras da melancolia... É outra terapia, e mais inofensiva para a carteira e a economia doméstica...

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