domingo, 30 de maio de 2010

SEMANA de ÁFRICA-------------2010

E chegou novamente O DIA de ÁFRICA! No dia 25 de Maio! Comemorei-o à minha maneira, isto é: consegui tornar-me voluntária do HDS, mais concretamente do serviço de Pediatria. Então , combinei com a educadora de serviço aos internamentos e lá fui, lutando contra algumas peripécias adversas: atraso do autocarro, etc. Deliciei-me.
Estava um rapazinho internado, mas a pé; um pequenito de dois anos com a mãe; uma menina de 10 que, tendo estado internada, voltou para uma consulta. A Liliana (educadora) ainda considerou a hipótese de ir buscar uma pequenita que fora operada ao apêndice e trazê-la na cama, mas achou melhor não, depois.
Criado o clima propício às narrativas que acreditaram seriam exóticas, comecei... Karingana Wa Karingana... E falei de goriots e cocoanas, de capulanas, tombazanas e mamanas, de meninos e de animais. Contei as fábulas africanas que havia preparado: "Porque é que as galinhas esgaravatam na terra"...," Qual a razão do cão abanar o rabo"..., "Porque é que a lebre tem cauda curta", e de propósito para o pequenino Afonso, "As Minhocas". Por sinal ele não apreciou grande coisa. Mal disposto, incomodado, choramingava ao colo da mãe. Os outros acharam muita graça.
Posso dizer que a iniciativa foi bem acolhida. De tal forma que logo foi agendado que voltaria no Dia da Criança, por coincidência também a data da minha primeira consulta com o neurocirurgião. Foi assim combinado: antes desta farei pinturas faciais na sala de espera das consultas externas de Pediatria, depois, irei às urgências da especialidade contar histórias... confesso que me sinto um pouco aflita: será que as pessoas terão disponibilidade para ouvir e deixar-me interagir com as crianças? Esses lugares são bastante pesados e perturbadores por definição... Não irei piorar o ambiente e a disposição dos doentes e famílias, já de si queixosos e pouco receptivos? Quem sugeriu as actividades tem , com certeza, experiência e sabe o que se adequa às situações.
Mas reparo que me afastei do tema: SEMANA AFRICANA.
De há cinco anos a esta parte a UTIS, em parceria com a Associação de Estudantes dos PALOP tem vindo a organizar, no âmbito da disciplina de Língua e cultura dos países africanos de expressão portuguesa as semanas de África, e tem sido um sucesso. Há cinco, não. Este ano, e porque as complicações e contrariedades inerentes à parceria tornavam os êxitos amargos e cansativos, foi apenas a UTIS a promover e organizar os eventos. Eu costumava levar o ano a sonhar, na expectativa de matar saudades, conviver com gente boa das terras quentes e distantes... Como no ano passado "os anões" já me não deixaram aproveitar a euforia das festas, murchamente apenas me preparei para trabalhar.
No dia 25 à tarde começaram as comemorações, com a inauguração oficial no TSB da exposição de pintura, artesanato e capulanas, que deram o mote. Não pude estar presente. No dia 26 todo o dia contei estórias africanas no mesmo local, para crianças dos jardins escola e escola básica do Choupal. Todos nos divertimos: pequenitos, professoras, auxiliares de educação, e eu, a mais compensada.
No dia 27 à noite tivemos um sarau de poesia africana. Os alunos interpretaram poemas de vários autores dos diversos países, uns anteriores à independência outros após, e houve convidadas: a Fernanda Narciso, doentíssima mas magistral como sempre, a Linda Costa, uma força da Natureza, e eu, que disse "Africa surge et ambula!" de Rui de Noronha e "Maternidade" de Glória de Sant'Ana.
No dia 28, alunos e professora rumaram manhã cedo a Lisboa, visitar a Fundação Oriente e almoçar no Mercado da Ribeira (com baile). Claro que não fui, e não por falta de convite. Novamente "os anões".
Dia 29 de Maio, Sábado, foi um jantar africano no restaurante "Kanimambo", em Santarém, e às 21h30 concerto pelos Charruas no Teatro Sá da Bandeira. Queria ir? Pois gostava, até estive na cidade... (Fui cuidar dos gatos do meu neto durante três dias...) Mas não pude. À noite tive ensaio aqui em Alpiarça, e a peça é de marionetas e assenta na minha prestação: sou a narradora. Que o Meia Laranja se não perca pela falta da minha comparência! Noblesse oblige.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

REMORSO------------Pedro Homem de Mello

Lembro o seu vulto, esguio como espectro
Naquela esquina, pálido, encostado
Era um rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado

De mãos nos bolsos e de olhar distante
Jeito de marinheiro ou de soldado
Era um rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado

Quem o visse, ao passar, talvez não desse
Pelo seu ar de príncipe, exilado
Na esquina, ali, de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado

Perguntei-lhe quem era e ele me disse:
_ Sou do monte, Senhor, e seu criado.
_ Pobre rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado

Por que me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente esteve um condenado?
_ Vai-te, rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado!

Ouvindo-me, quedou-se, altivo, o moço
Indiferente à raiva do meu brado
E ali ficou, de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado

Ali ficou... E eu, cínico, deixei-o
Entregue à noite, aos homens, ao pecado
Ali ficou, de camisola verde
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado...

Soube eu, depois, ali se perdera
Esse que eu só pudera ter salvado
Ai! do rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento
Boina maruja ao lado!

Em jeito de conversa...

Vem esta asserção a propósito do escândalo de Mirandela... Para mim revela tal atitude, principalmente, falta de bom senso. Onde é que a professorinha (e não é tão nova assim!) estava com a cabeça, quando aceitou expor-se daquela maneira, naqueles preparos, esquecendo-se de que tem responsabilidades educativas e sociais na formação daquelas crianças? Que respeito podem elas ter por alguém que não se respeita?
Excluindo as limitações da minha educação repressiva, posso até considerar a nudez natural, num contexto simples e espontâneo, em lugares próprios, na privacidade do lar ou entre amigos liberais, numa praia de nudistas... Mas aquilo? Além do mais as fotos são pirosas, de mau gosto, atrevo-me até a julgá-las ordinárias... E eu que pensava que a Playboy primava pelo tratamento artístico da nudez fotografada... Que se passará?
Juízo e vergonha na cara!...

O VENTO, A ÁGUA E A VERGONHA---------- D. B. ROSS

Viajavam juntos o vento, a água e a vergonha.
Quando pensaram em separar-se, quiseram marcar o lugar onde poderiam tornar a ver-se.
Disse o vento:
_Serei encontrado sempre na altura das montanhas.
Disse a água:
_ Serei encontrada nas entranhas da terra.
E disse enfim a vergonha:
_ Quem me perder uma vez nunca mais me encontrará.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

de Miguel Torga

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti_não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto_sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

CARTA DA INFÂNCIA----Carlos de Oliveira

Amigo Luar:
Estou fechado no quarto escuro
e tenho chorado muito.
Quando choro lá fora ainda posso ver as lágrimas
caírem na palma das minhas
mãos e brincar com elas ao orvalho
nas flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das noites em que me fazem deitar
tão cedo e te oiço
Bater, chamar e bater, na fresta da
minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem agora,
no bico dos pés
para que eles te não sintam lá dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

BOM SENSO------------parte 2

1-Bom senso na alimentação
Todos temos as nossas preferências alimentares, as nossas incompatibilidades (e, por sinal aziago é precisamente o que nos faz mal que nos regalamos a comer... São os nossos vícios, mais ou menos secretos. Lá diz o ditado: O que é bom faz mal, engorda ou... é pecado.) Pois aqui exige-se bom senso. Moderação. Responsabilidade para com a nossa saúde e a dos outros.
2-Na vida sentimental ou afectiva
Não se deve exagerar nos afectos. É preciso conter-se. Assentar os pés bem na realidade. O excesso leva à possessividade, à cobrança, ao mal-estar, às discussões, à infelicidade. Para não falar no alvo do desvario (há sempre um parceiro mais sensato, ou frio, talvez felizmente) que se aborrecerá com a asfixia...Portanto, o exagero só pode ser contraproducente.
(Mas se a sua natureza é exceder o comum, aceite-se. Tente não ser muito magoado pela vida e... respeitar o outro na sua maneira de estar e de sentir. Tente não perder o sentido das realidades. Afinal, cada qual é como é.)
3-Nas amizades
É essencial manter os relacionamentos seguros, estáveis, baseados nas afinidades, no respeito, na confiança. Não abafar os amigos com a sua forma hiper sensível ou insegura de ser, não os decepcionar, honrar os compromissos e mostrar consideração. Não forçar nada. Respeitar.
4-Na vida profissional
A diferença entre alguém competente, cumpridor e empenhado e um trabalhólico (alguém com o vício, pior, a obsessão do trabalho) é exactamente o que o termo sugere: Uma pessoa que não sabe viver fora da profissão e dos seus problemas, que vive em constante perseguição de objectivos, cada vez mais longínquos, exigentes e ambiciosos.
Um trabalhólico é uma ameaça para si próprio__candidato a doenças causadas pelo stress- para os seus colegas, que o vêem como um rival "agressivo e sem escrúpulos", fonte de inquietação permanente e... sujeito a invejas; Para a família negligenciada, que usa frequentemente como desculpa para a sua ambição desmedida, não reparando que está a amputá-la da sua presença, das suas atenções, do seu amor, dado e recebido, de tudo o que vale a pena e não pode ser comprado.
5-Bom senso no consumo
Urge , cada vez mais, ter cuidado, não exceder as possibilidades reais (é dificílimo, com tantas solicitações actuais, necessidades falsas, criadas pela publicidade enganosa e as facilidades de crédito. "Laços ao dinheiro", dizia a minha avó.) Respeitar-se e respeitar o ambiente, não esquecendo os três Rs: Reduzir, Reutilizar, Reciclar.
Gastar menos, preocupar-se menos, poluir menos.
6-Bom senso na Moda
Não perder a perspectiva do bom gosto e das conveniências. Evitar ser uma fashion victim, ou seja, vítima da moda. Deve usar-se o que nos fica bem, sem deitar a perder as finanças da família, nem ficar parecida com um bouquet garrido ou... uma árvore de Natal.
Uma regra fácil, por exemplo,é não repetir a mesma cor em mais de três peças na mesma toilette. Se não se sente segura a combinar cores, arriscar pouco para além dos cambiantes da mesma cor, o ton sur ton que sempre fica bem, e é com certeza de bom gosto, sem se tornar monótono. Não se encher de acessórios, que carregam e pesam no conjunto. Se tem folhos na gola, não use colar. Se o vestido é bom, bonito e de desenho rico ou textura agradável, prefira uns belos brincos. A elegância é sóbria. The less is more.
7-Bom senso na vida financeira
Não ser ganancioso nem avarento, isto é, não ser tristemente miserável, se tiver condições de viver melhor e ser generoso, nem perdulário fora da sua realidade, a caminhar a largos passos para o desastre, a ruína pessoal, atolado em dívidas cada vez mais difíceis de pagar.

E que dizer do triste espectáculo da vida social... É estar atento aos notíciários, é só abrir o jornal...! "Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão".
Penso que muitos desvarios da sociedade derivam da crise, que todos ajudámos a instalar com a nossa fuga à realidade, o querer viver acima das nossas posses, o novo-riquismo artificial. Dos cidadãos e do Estado.
E o triste exemplo da vida política? Corrupção, desnorte, desrespeito... Esbanjamento dos recursos, má gestão do erário público, impostos cada vez mais pesados e ... desaproveitados... Vigarices. Falta de vergonha. E não nos iludamos. Não é provável que haja uns melhores que os outros. É tudo a eito.


É claro que tudo na vida requer moderação. O tal tacto. Ou bom senso. In medio virtus.


Terei eu bom senso? Nem por isso, reconheço. É fácil dar-me conta dos erros alheios, e até dos próprios. Teorizar. Reconhecer o remédio. Mas viver de acordo com estas e outras convicções, verdadeiras mas, porque idealizadas, longe da prática que me é possível, é muito mais complicado. Vai-se tentando.

terça-feira, 11 de maio de 2010

BOM SENSO

O bom senso, habitualmente chamado de tacto,é das melhores qualidades que alguém pode possuir. Porque será que cada vez parece mais arredado?
O bom senso pode suprir, à primeira vista, muitas vezes na vida a inteligência e até a bondade,porque permite ver as coisas como elas são e auxilia na travessia tormentosa de todos os dias. Claro que as outras qualidades que podem parecer ocultas, estão lá e são naturais, sem o que o dito bom senso mais não seria que um árido e aguerrido exercício de egoísmo...
Excessiva inteligência sem tacto, traz, em geral, desequilíbrio, frustrações, até inimizades, que não podem ajudar a pessoa a ser feliz nem a transmitir felicidade aos que a rodeiam.
Excessiva consciência de si mesmo, o velho egocentrismo, ou egoísmo se formos mais precisos, leva, a longo prazo, ao isolamento, à destruição da estabilidade, especialmente se for servido por uma fantasia às vezes delirante.
Inteligência prática é ser realista, pragmático, ciente dos seus deveres, dos seus direitos, dos seus limites e conveniências_ no fundo, é ter respeito por si e... pelos outros. Bom senso.
Por vezes confunde-se coragem com arrogância, rebeldia ou afoiteza. Nada mais diverso, e só leva a confrontos estéreis, desentendimentos, desaguisados desnecessários. Infelicidade. Deve evitar-se a atitude de desafio, ou a exposição gratuita, o pôr-se a jeito. Quem nos garante que o nosso ponto de vista é o mais correcto, que as nossas razões são as certas? Faz falta humildade, saber pôr-se no lugar do próximo. Respeito. Bom senso.
Coragem é conhecer-se, aceitar-se, conhecer as suas limitações e as dos outros. Procurar viver em harmonia e sem trair nunca os seus princípios.
Ter bom senso é procurar alcançar o bom, sem almejar o óptimo, que decepcionará pela impossibilidade, ou pelo esplendor da grandeza não alcançável. Afinal, a excelência é tremendamente difícil de conseguir, e quem nos diz que seja recomendável?! A perfeição é só de Deus. Temos de baixar as expectativas se queremos construir uma vida nivelada e segura.
Ter bom senso é, quanto a mim, não falar de mais, não se exceder nas confidências que constrangem e comprometem a naturalidade das relações. É saber ouvir, sem juízos de valor. É opinar apenas se for instado. Evitar os conselhos que, se fossem realmente bons, não se davam. Vendiam-se. É estar presente sem se impor. Ninguém é, ou tem de ser, igual a ninguém.
Não alardear inteligência ou cultura, quantas vezes, para não dizer quase sempre, falsas. Querer ter sempre a última palavra, demonstra imaturidade, falta de chá e de bom senso.
As pessoas parecem, muitas vezes, querer sobrepor-se às outras, e afinal provam que não usam de sensibilidade, de respeito, de educação, e dão um triste espectáculo de si mesmas. Quantas vezes essa alegada superioridade não acaba por desmoronar-se, desmontada nas bases pouco sólidas, e expondo ao ridículo quem tanto queria sobressair. E o mais lamentável é que raramente o pavão se dá conta. Falta de tacto!
Então tratemos de colocar bom senso em todos os aspectos da vida: Na vida privada e na pública ou social. E na política. Será que temos assistido a manifestações de bom senso de quem teria obrigatoriamente de dar exemplos de contenção, de probidade, de educação e respeito por si e pelos outros? Até quando?!
(cont.)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

De Antemão--------Herberto Helder

Tocaram-me na cabeça com um dedo terrificamente
doce, Sopraram-me,
Eu era límpido pela boca dentro: límpido
engolfamento,
O sorvo do coração a cara
devorada,
O sangue nos lençóis tremia ainda:
metia medo,
Se um cometa pudesse ser chamado como um animal:
ou uma braçada de perfume
tão agudo
que entrasse pela carne: se fizesse unânime
na carne
como um clarão,
Um anel vivo num dedo que vai morrer:
tocando ainda
a cabeça o rítmico pavor
do nome,
O leite circulava dentro delas,
É assim que as mães se alumiam
e trazem para si o espaço todo
como
se dançassem,
São em si mesmas uma lenta
matéria ordenada, Ou uma
crispação: uma ressaca,
E quando me tocaram na cabeça com um dedo baptismal:
eu já tinha uma ferida
um nome,
E o meu nome mantinha as coisas do mundo
todas
levantadas

Não sei de Amor senão ---------------Manuel Alegre

Não sei de amor senão o amor perdido
o amor que só se tem de nunca o ter
procuro em cada corpo o nunca tido
e é esse que não pára de doer.
Não sei de amor senão o amor ferido
de tanto te encontrar e te perder.

Não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder
nem de outro modo sei se tem sentido
este amor que só vive de não ter
o teu corpo que é meu porque perdido
não sei de amor senão esse doer.

Não sei de amor senão esse perder
teu corpo tão sem ti e nunca tido
para sempre só meu de nunca o ter
teu corpo que me dói no corpo ferido
onde não deixou nunca de doer
não sei de amor senão o amor perdido.

Não sei de amor senão o sem sentido
deste amor que não morre por morrer
o teu corpo tão nu nunca despido
o teu corpo tão vivo de o perder
neste amor que só é de não ter sido
não sei de amor senão esse não ter.

Não sei de amor senão o não haver
amor que dure mais que o nunca tido.
Há um corpo que não pára de doer
só esse é que não morre de tão perdido
só esse é sempre meu de nunca o ser
não sei de amor senão o amor ferido.

Não sei de amor senão o tempo ido
em que amor era amor de puro arder
tudo passa mas não o não ter tido
o teu corpo de ser e de não ser
só esse é meu por nunca ter ardido
não sei de amor senão esse perder.

Cintilante na noite um corpo ferido
só nele de o não ter tido eu hei-de arder
não sei de amor senão amor perdido.