domingo, 28 de dezembro de 2008

CADA UM TEM O SEU NATAL---Henrique Segurado

Sujeito a acidente ou a enfarte
Não serei dos funâmbulos reais?
De Menino Jesus fizeram Marte
Num presépio de guerras mundiais.


Abrir as veias, sim! E não veneno
Que nunca deixa espaço a um enredo
E o correr do sangue é tão sereno.
É brisa que nem move o arvoredo...


Nascido entre guerras mundiais
Houve fogos cruzados no meu parto.
Eram soldados, ah! e não jograis
Os pastores que cantavam no meu quarto!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

NOEL -------THÉOPHILE GAUTIER

Le ciel est noir, la terre est blanche;
Cloches, carillonnez gaîment!
Jésus est né.La vierge penche
Sur lui son visage charmant.

Pas de courtines festonnées
Pour préserver l'enfant du froid,
Rien que des toiles d'araignées
Qui pendent des poutres du toit.

Il tremble sur la paille fraîche,
Ce cher petit enfant Jésus,
Et pour l'échauffer dans sa crèche
L'âne et le boeuf soufflent dessus.

La neige au chaume coud ses franges,
Mais sur le toit s'ouvre le ciel.
Et, tout en blanc, le choeur des anges
Chante aux bergers: "Noel! Noell!"

domingo, 14 de dezembro de 2008

SÚPLICA------------1971

Há quanto tempo, João,
Nos afastámos como dois estranhos...
Olha, dá-me a tua mão
E leva-me contigo
A reboque dos teus sonhos...


Tu não sabes, João,
Mas a solidão, esta horrível solidão,
Há-de acabar comigo
Não, não me deixes só
Que me sinto perdida, abandonada,
Não me deixes só
Que me sinto desprezada
-Eu sei que o farei
(Não te rias) quando tiver coragem
Empreenderei
Uma longa viagem
- Porque então não faremos outra os dois?
Uma viagem diferente
Longe do instante presente
João, porque tudo mudou??
Dá-me a tua mão João
E leva-me para longe
Para fora do mundo
A descobrir a vida...!
Olha, tu já viste
Como ela agora
É vibrante e colorida?
Despe esse senso comum...
Põe uma camisa vermelha
E uma calça larga velha
E corre, corre
Sem preconceito algum
de cabelos ao vento
Leve leve de alpergatas
Ou descalço pelo chão,
Eu, de bermudas azuis
Blusa branca
Desapertada
Para que o ar me tonifique
O peito e me encha o coração
Corre, João
Ri, João
Vê que eu
Também sei rir
E desfaleço cansada
Mas continuo a sorrir
João, não me deixes só, João
Corramos assim indefinidamente
Até apagarmos em nós
O ressentimento amargo da obrigação
Que desgasta
A alegria, a vida, o amor
A angústia do horário que te afasta
(João, pára e colhe uma flor...)
Das contas a pagar
Dos sapatos a engraxar
Dos anúncios a tentar
Da inflação a aumentar
Dos saldos para pecar
Das meias para coser
Dos botões para pregar
Notícias de assustar
Das horas para comer
E calendário para amar
João
Dá-me um abraço apertado
Mas do fundo do coração
E continua a correr
Até estares esquecido
Mas leva-me,
Leva-me contigo!

INQUIETAÇÃO------------1966

No silêncio denso
Do espaço sem limites
Nem dimensões
Ecoa uma dor pungente
que se estende e alonga
Ansiando fundir-se
Numa mágoa maior...

Contém em si este momento
De íntima e rara comunhão
O instante preciso de agora
Não o que antes se foi
Nem o que virá depois

Circulam na aragem morta
Débeis gemidos-murmúrios
Pressentidos da turba curvada
Em postura cobarde-
Que se projectam
Imensos e vários
Na mansidão calada...

Fremem apelos mudos
Na saudade do passado...

(A solidão não sou eu ainda...
...Quero chorar mais...!)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

CANÇÃO DO AMOR ESTÉRIL___________1965

Traçou-me Deus
Um destino
A que não posso fugir...
Seguir-te sempre
Ignorada
Na lama a fundir-se a dor.

Amar-te? Para quê?
Se não posso aspirar
A seiva dos teus beijos...
Afagar teu rosto
Com minhas mãos trementes...
Rolar a alma
Na sombra dos teus passos...!

Amiga? Não...!!
Se banho em pranto
Os olhos roxos...
Se morro em cada instante
Na angústia louca
De tanto te querer...!

A doçura do teu olhar sereno
Desperta em mim
A recordação amarga
Do beijo casto que pousaste um dia
Na minha mão disforme.

E eu, que já o não sou,
Blasfemo torturada
Na amargura
-Maldita a hora, ó Deus,
Maldita a hora
Em que insuflaste em mim
O hálito da vida!...

E o sonho lindo
Que embalei um dia
Dilui-se cruamente
Na incerteza
Do meu amor estéril
Na mágoa ansiosa
De em vão te querer...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

E A LUZ RASGOU AS TREVAS -1966

Trôpega e tremendo de terror
Por atalhos escondidos
Me arrastei,
Por searas já ceifadas eu andei,
Escondendo o meu rancor
Nas sombras cúmplices da escuridão...

No ermo estéril
Em que me encontrei
Quis com os meus uivos
Acordar os mundos
Que pela calada dormiam...

Com a garganta rouca de gritar,
O coração já cansado
De pulsar,
Ofegante me calei,
Atónita por ninguém ouvir meus ais...

Rilhei os dentes com desespero,
Ergui os punhos numa ameaça vã,
E cedendo à raiva surda
Que me oprimia o peito,
Amaldiçoei a hora aziaga
Em que pela primeira vez a luz vi...

Riscando o espaço com o seu facho
Luminoso, um dedo fatídico de fogo
Apontava-me uma senda e cegava-me
Com o seu esplendor...
Tremendo quis protestar, reagir
Contra aquela servidão à qual inconsciente
Me entregava.

Com os olhos incendiados
Procurando furtar-se à luz divina
Que os fascinava
Submissa trilhei os caminhos
Que Alguém com Amor para mim tinha traçado.

Galgando penhascos, transpondo abismos,
Mergulhando os pés chagados
Em charcos de lama ardente, abeirei-me
Enfim da Vossa morada Senhor
E ante Vossos pés me humilhei...

Ousei penetrar no Vosso Templo sagrado
Arrastando comigo a lama
Do pecado
E a cegueira do orgulho
A vendar-me os olhos...

Acudindo ao som calado
Que se demorava seco na garganta
O Vosso olhar de Pai pousou em mim
O Vosso infinito Amor
Aos entes sofredores quebrou o gelo
Feroz da minha angústia...

E o estigma indelével
Que há muito me assinalava
Diluíu-se lentamente no fluxo de Amor
E Promessa
Que a Vossa Presença Divina
Difundia...

A prece sem palavras
Que não brotou dos meus lábios
Mas se evolava
Sincera do meu coração
Chegou até Vós, Senhor,
E encontrou eco na Vossa infinita bondade...

A luz radiosa
Que Vos envolvia e me deslumbrava
Penetrou nas trevas em que o meu ser
Se debatia e ficou a luzir
No meu ego marcando uma senda
Na minha escuridão...

Essa luz
A maior e mais preciosa dádiva
Testemunho inegável da Vossa Divindade
Era a Esperança vivificadora
Que abriu novos horizontes
A um pobre coração cansado de negar...

Por esse imenso Amor
Puro e Sublime
Obrigada Senhor!

INSÓNIA

Arrasto a existência
Sem um fito
P'las minhas longas noites
Sem alvorada

Noites de fantasmas
De ilusões
De espectros de delírio
Pesadelos de remorso
Que me perseguem torturam
Sem que possa descansar

Na ânsia de quebrar
Os grilhões pesados
De uma vida vazia
Que eu não quero dourar


Ergo os braços
Para o infinito
E recolho nas mãos fechadas
Poalha dourada de estrelas
Olvido e lassidão

Procurando um norte
A alma vagueia nas sombras
Sombras esquecidas
Sem alvorada Negras
A saudade não tem fim.

From VACHEL LINDSAY

Years on years I but half-remember...
Man is a torch, then ashes soon,
May and June, then dead December,
Dead December, then again June.
Who shall end my dream's confusion?
Life is a loom,weaving illusion...


One thing, I remember:
"Spring came on forever,
Spring came on forever",
Said the chinese nightingale.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Shophia de Mello Breyner Andresen

There is a sea
A far and distant sea
Beyond the farthest line,
Where all my ships that went astray,
Where all my dreams of yesterday
Are mine.