domingo, 14 de dezembro de 2008

SÚPLICA------------1971

Há quanto tempo, João,
Nos afastámos como dois estranhos...
Olha, dá-me a tua mão
E leva-me contigo
A reboque dos teus sonhos...


Tu não sabes, João,
Mas a solidão, esta horrível solidão,
Há-de acabar comigo
Não, não me deixes só
Que me sinto perdida, abandonada,
Não me deixes só
Que me sinto desprezada
-Eu sei que o farei
(Não te rias) quando tiver coragem
Empreenderei
Uma longa viagem
- Porque então não faremos outra os dois?
Uma viagem diferente
Longe do instante presente
João, porque tudo mudou??
Dá-me a tua mão João
E leva-me para longe
Para fora do mundo
A descobrir a vida...!
Olha, tu já viste
Como ela agora
É vibrante e colorida?
Despe esse senso comum...
Põe uma camisa vermelha
E uma calça larga velha
E corre, corre
Sem preconceito algum
de cabelos ao vento
Leve leve de alpergatas
Ou descalço pelo chão,
Eu, de bermudas azuis
Blusa branca
Desapertada
Para que o ar me tonifique
O peito e me encha o coração
Corre, João
Ri, João
Vê que eu
Também sei rir
E desfaleço cansada
Mas continuo a sorrir
João, não me deixes só, João
Corramos assim indefinidamente
Até apagarmos em nós
O ressentimento amargo da obrigação
Que desgasta
A alegria, a vida, o amor
A angústia do horário que te afasta
(João, pára e colhe uma flor...)
Das contas a pagar
Dos sapatos a engraxar
Dos anúncios a tentar
Da inflação a aumentar
Dos saldos para pecar
Das meias para coser
Dos botões para pregar
Notícias de assustar
Das horas para comer
E calendário para amar
João
Dá-me um abraço apertado
Mas do fundo do coração
E continua a correr
Até estares esquecido
Mas leva-me,
Leva-me contigo!

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