sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Memória do Corpo-2-----------Rosa Lobato de Faria

Nos pés sinto o macio
das meias de algodão
que defendem a pele
da terra das sandálias.

Nas mãos palpo tesouros
no segredo dos bolsos
do bibe de quadrados
que cheira a ferro quente.

Na linha do umbigo
um elástico aperta
as cavas incomodam
na blusa que encolheu
há uma comichão
na nádega redonda
no joelho esfolado
repuxa a cicatriz.

o cieiro macula
a seda da bochecha
há um dente que falta
e que custa a nascer
a franja sobre os olhos
precisa ser cortada
as pestanas a jeito
decompõem a luz.

A minha mãe presente
é sobretudo a saia:
o seu perfume quente
é sobretudo a anca.
E as conversas de adulto
imensamente alheias
desenrolam-se aquém
do que em mim se formula.

É a hora interior
de ter que estar quieta
de olhar com atenção
as rosas do tapete:
que bom imaginar
grutas sob as cadeiras
o vermelho é a areia
o azul é o mar.

Desembrulho um bombom
que guardei todo o dia
está mole e pegajoso
a prata não descola
mas a língua descobre
o seu gosto a metal
e cospe sob a mesa
os destroços brilhantes.

Depois é só juntá-los
fazer uma bolinha
segurá-la nos dentes
entre o cuspo castanho
e já tenho um navio
no azul do tapete
a contornar os perigos
das rosas delirantes.

É hora de dormir
já me levam ao colo
lambuzo a chocolate
o pescoço da mãe
o elástico desce
o chichi é tão quente
o pé fica dormente
se me deixam aqui.


O quarto é outro mundo
o escuro conhecido
a mancha da parede
tem um gato que eu sei
e o beijo da mãe
a roupa aconchegada
são o dom do prazer
ao corpo absoluto.

O sono é outra coisa:
o cheiro da almofada
a posição de feto
a orelha tapada.

E por dentro da cama
em segredo só meu
saboreio a palavra
que uma fada me deu.

Sem comentários: