terça-feira, 10 de novembro de 2009

Vida Passada (a limpo)

Eram histórias de fadas e pastoras
De acidentes
e vítimas inocentes
que me forjavam o sono
promoviam o sonho
e ensinavam gratidão e compaixão
Um cãozito de palha e feltro que me aturava
as birras e frustrações
consolava a tristeza e ensopava os ralhos
Foi noutro tempo noutra vida
que eu tive
em pequenita
sentada confortável no tapete
interpelava na rua os passantes
e já tentava conhecê-los melhor
Que aconteceu depois
que fiquei criança melancólica
introvertida e atenta?
Sei que a tristeza fez ninho
no meu colo de menina
e nunca mais me deixou?
Só os livros me seguravam o viver
Logo após um átomo de liberdade
espremida de terrores
a casa rural da avó, à beira da cidade
a gaveta dos tesouros ancestrais: Apicultura Histórias Bíblicas
(a pia Judite e desde aí o horror a manipulação)
O quintal pequeno e varrido
as figueiras que trepava
a ponte entre o real e outras vidas
a queda a dor o orgulho bizarro de ter sobrevivido
Mais tarde desafiar o medo no telhado
suspensa entre o susto do abismo e as lages na rua
O meu segredo assustador
fiapos de conversas misteriosas
a vergonha de ser tonta e enganada
DEPOIS
A cidade em meu olhar
vestígios de muralhas
uma lagartixa oculta em fendas de ansiedade
o Sonho de dançar
O que eu ensaiava!
Os beijos no espelho
os véus dos cortinados
as pérolas falsas "emprestadas" pela transgressão
Fantasiava beleza e mil seduções
que nunca soube jogar
os policiais escondidos
a vontade de inovar
de fazer diferente Os dedos curvados
e os olhos escorrendo ternura carente e magoada
Mais à frente vesti essa mágoa
Tentei moldar-me à forma repetida
que a vida me queria dar
Acreditei que nada mais
nada diferente
nada melhor merecia
Escolhi as sombras para chorar
calei as ideias e vontades
os gritos os sonhos
a revolta
calei-me incómoda e desajustada
Até que não! As asas romperam
e voei!

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