quarta-feira, 25 de agosto de 2010

UM DIA DIFÍCIL

Comecei hoje o dia com uma pequena viagem de autocarro ao hospital de Santarém para fazer análises. Um acontecimento frequente e rotineiro em quem não pode dar-se ao luxo de descurar a vigilância dos "anões", facilmente amotinados. Havia poucos doentes devido às férias, e fui logo atendida. Já que lá estava, e tinha ido prevenida, dei um salto ao 8º piso, a Pediatria, onde sou voluntária como animadora. Pois se passo grande parte do meu tempo em exames e consultas, faço o meu gosto e levo um pouquinho de ânimo e diversão às crianças internadas. Hoje foi difícil.
De repente e sem preparação psicológica foi-me apresentada uma menina especial. Saída do IPO, com trânsito pelo D. Estefânia, e agora com uma infecção respiratória. Frágil. Inchada. Deformada. Com uma cicatriz quase circular no parietal superior direito , que tentava coçar. Molinha. Com a voz alterada, de tal forma que, não estando habituada a ela, quase não a consegui entender...
Engoli em seco e apelei a toda a coragem que consegui sacar do fundo, que pareço não conhecer nas suas potencialidades. Afivelei um grande sorriso e interagi, durante um bom bocado. Brincámos com as palavras... Contei histórias curtas e divertidas. Até me aperceber dos sinais inequívocos de cansaço. (Acordara muito cedo, aliás como todos os dias, para o tratamento com aerossóis). Gostou. Respondeu com graça às minhas pequenas e inocentes provocações... E despedi-me, para que descansasse.
Ao sair já tinha mais fregueses à espera. Não podia sobrevalorizar as minhas forças.
Encostei-me à parede... Fiz uma pequena pausa para limpar os olhos, respirar fundo e seguir em frente. Ala para outra enfermaria onde estava outro pequenito com a mãe. Cumprimentei-o, apresentei-me. Tentando fazer perecer normal a minha visita e a situação hospitalar. Nem falámos nisso. Era o que faltava. Cantei cantiguinhas muito infantis, lengalengas. Contei uma pequena história... E o pequenito percebendo tudo e mostrando por sinais evidentes o quanto apreciava, não parou quieto, apesar da ligadura no pulso e do olhito inchado. Fui-me embora antes que se fartasse. A seguir um bebé... que não falava sequer. Pareceu-me um pouco atrasado no seu desenvolvimento. Tentei conversar com ele, (enroscadinho no colo doce da mãe), contei pequeninas partes de uma história..., mas não reagia muito.
Depois fui para a sala de actividades, onde uma miúda mais crescida, pré-adolescente, se entretinha no computador. Acedeu a ouvir uma história, talvez para me contentar. E li-lhe, de Irene Lisboa... Talvez por não estar de posse dos meus sentimentos controlados, pelo que presenciara e vivenciara antes, não soube encontrar uma história alegre ou motivadora. Acabei de ler, tentei aligeirar, e desistimos. Fazia melhor em voltar para o jogo. O computador. O melhor foi que os pequenitos começaram uma bela brincadeira com os brinquedos interactivos. Muito mais adequados a levá-los a esquecer a fase menos boa das suas pequenas vidas.
Voltei para o centro da cidade onde tratei de outras solicitações, revi amigos... Desertinha por voltar para casa. Sentia-me quebrada, e não houve mazagran que me valesse.
Foi, de facto, um dia complicado. Já aprendi a relativizar tantas situações e a distanciar-me de momentos desagradáveis... Tenho de praticar mais e melhor, sob pena de não ser útil junto das crianças doentes, se não conseguir dominar ainda melhor as emoções e levar-lhes leveza e alegria, que tanta falta lhes fazem.

1 comentário:

GENTE DA RM TRINTA E CINCO ANOS DEPOIS disse...

Se, como penso, há uma Entidade superior , chamem-lhe Allá, Deus ,Rá,Energia Vital ou o que quizerem ,ela a recompensará do dia difícil.