quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CONTAR HISTÓRIAS

Contar histórias é uma velha e nobre arte que convém aprimorar. Desde tempos imemoriais que os saberes, as competências, as tradições, foram sendo transmitidos na forma de narrações de factos, encantamentos, lendas, magia... memórias. Antes da invenção da escrita. Pela tradição oral. Por anciãos, feiticeiros, mulheres "de virtude". Por figuras de peso respeitadas na comunidade. E assim foram passando os testemunhos de geração em geração. De boca em boca. Preservando o acervo cultural do povo.
Já há anos que os contadores de estórias vêm exercendo, de novo, o seu ofício, com crescente interesse e atualidade.
Qualquer um pode contar histórias? De certo modo. Mas há regras a ter em atenção.
1º- Recolher histórias, lendas locais, nacionais ou universais interessantes.
2º- Não enfrentar nunca o público sem conhecer bem a história.
3º- Prepará-la, fazendo uma primeira leitura silenciosa, ou inteligente, depois ler em voz alta. Interpretá-la. Se tiver audiência disponível, aproveitá-la, para um ensaio do resultado.
- Contar estórias ou dizer poesia é, no fundo, fazer teatro. Interpretar. Divertir ou encantar. Passar a mensagem.
4º- Escolher e "vestir" uma personagem adequada: vendedora de balões, avozinha, mestra, tia, vizinha, criatura da mata, musa, pastor...etc.
5º- Deve adotar vestuário diferente e adequado à personagem que escolheu viver. Os trajes, mesmo que sejam improvisados, devem tornar o contador uma figura especial. Devem ajudar a passar a magia.
6º- Adaptar as histórias, empregando os conhecimentos que se têm de tantas que temos ouvido, lido ou conhecido...
- Utilizar uma e apropriar-se dela sem autorização do autor é roubo, é plágio. Diversificar, compor a narração com retalhos de muitas, é pesquisa.
7º- Se têm dono, respeitar pelo menos o fio condutor, e referir a "paternidade".
Se cortar ou modificar algo, apresentá-la como "adaptação da estória X de Fulano".
8º- Treinar muito a voz: deve sair clara e nítida. Experimentar inflexões, cambiantes, mutações.Lembrar que a leitura ou narração deve ser viva, interessante, sem nunca cair na monotonia e aborrecer o público. Imitar as personagens, emprestando-lhe caraterísticas únicas, condizentes com a estória. Fazer gestos, mimando o tema. Criar uma "voz" que caraterize e defina a personagem.
Fazer pausas intencionais para segurar a atenção dos ouvintes.
9º- Escolher a música para harmonizar, preparar o ambiente, e como fundo musical.
10º- Nunca deve o narrador cair na armadilha de tentar sobrepor a sua voz ao ruído da plateia. Nunca deve elevar a voz. Pelo contrário. Se o alarido ou entusiasmo forem excessivos deve calar-se, ou baixar a própria voz, para obrigar os ouvintes a fazer silêncio para o poderem escutar.
11º- Histórias de cariz moralista são maçadoras. A mensagem deve ser implícita, subliminar. No fim pode (e deve) ser reforçada numa conversa informal integrada com a assistência.
Contar histórias é passar valores. A amizade. A paz. A concórdia. A alegria. A lealdade. O trabalho. A solidariedade... Nunca uma estória deve conter uma situação, mesmo que pareça engraçada ou de efeito, que mostre ideias negativas ou reprováveis.
12º- Tirar grande prazer da leitura, e gostar de partilhá-la com os demais.


GOSTOS:

-Crianças pequenas gostam de histórias quotidianas, de animais, de animais humanizados.
- Meninas de 9, 10 anos, gostam de histórias de fadas, de conflitos: equilíbrio e desequilíbrio de forças entre o bem e o mal, de românticas simples, de finais felizes, por exemplo. "A Fada Oriana", "A Princesinha", "A Bela Adormecida", etc., etc.
- Rapazinhos da mesma faixa etária gostam de estórias de aventuras: de Sophia de Mello Breyner, "O Ladrão de Bagdade", "Jim da Selva", mistérios, tipo livros de Enid Blyton, etc.
- Idosos gostam de contar as suas vivências. Deve aproveitar-se essa tendência e a memória de longo prazo, sem permitir que a narrativa se torne interminável, nem secante.
O contador é moderador. Dirige e orienta a sessão.
- Os mais velhos gostam de ouvir histórias curtas, engraçadas, de final inesperado, de preferência com uma pitadinha de picante.
-É preferível contar duas ou três histórias curtas no mesmo espectáculo, que uma enorme que cansa os espetadores ou os faz desviar a atenção e perder o interesse nela.

Mais lembretes interessantes:

- Cuidar da qualidade da voz. Nunca (ou raramente) comer gelados no verão, pois o choque térmico danifica as cordas vocais.
- Aprender a colocar a voz.
- Mesmo que tenha de gritar, exagerar, ou forçar a voz para servir a estória e aumentar o "realismo" fantasioso das personagens, nunca deve fazê-lo fora do seu registo pessoal. Isso aprende-se com treino.
- Nunca terminar de repente. O contador deve ficar sentado no meio da assistência, ou no palco, após ficar claro que a história acabou, mas que continua disponível para interagir com o público. Deve mesmo misturar-se com este, ainda sem "despir"
a personagem. Prolongar o encantamento... Em especial se a assistência for de crianças.
- Se for preciso (não é sempre?) pode arranjar estratégias pessoais para atuar com brilho. Eu sou muito tímida e nervosa, então, tomo Valdispert um quarto de hora antes do espectáculo, sem o que bloqueio e nada me ocorre. Há quem beba um cálice de vinho do Porto, etc.... Convém sentir-se solto e seguro.
- As histórias podem ser contadas por várias pessoas dispostas em linha em frente do público. É uma narração assente na confiança, no conhecimento do pensamento comum de cada interveniente, e fixa-se no improviso. Baseado na dinâmica de múltiplas histórias conhecidas de todos. Exige uma técnica que não tenho agora tempo de mentalizar e partilhar. Nem sei se interessaria.
EXPERIMENTEM.
- Não tenham escrúpulos em contar histórias tradicionais, às vezes terríveis. Essas histórias foram quase todas escritas para adultos. Mas logo as crianças quiseram ouvi-las e... apropriaram-se delas. Psicólogos estudaram o efeito na formação das crianças e concluíram que elas refletem terrores, medos próprios de todos os miúdos. De serem abandonados (João e Maria ou a Casinha de Chocolate), de que os protetores morram, de que não gostem delas, (Branca de Neve), etc. E os finais resolvem satisfatoriamente essas angústias. Até as mais assustadoras dos "irmãos Grimm" passam indicadores de justiça, que são gratos às crianças e lhes agradam.
- Ah! E não se esqueçam de respirar bem. A respiração correta é essencial em todas as actividades da vida, até a dormir, mas aí ela processa-se naturalmente sem o boicote da consciência desperta. Se não respirarmos como deve ser (respiração abdominal), provocaremos um edema nas cordas vocais e ficaremos sem voz.
- Aqueçam a voz antes da tarefa. Façam vocalisos, trauteiem as vogais, subindo e descendo na escala de notas, variem o timbre. Se não houver tempo, comecem com discrição, sem esforços inúteis, e vão crescendo na intensidade. Saber dosear a expressão e o esforço é sinal de competência no mester.
- Em caso de S.O.S., chazinho de perpétuas roxas. É tiro e queda nas afonias de stress, constipações, cansaço. Mas não vale beber só uma chávena. Eu costumo levar comigo um termo e vou bebericando todo o dia.
- Frequentem as ações de formação que puderem. Até aparecem muitas grátis de boa qualidade. Vou inscrever-me noutra para o dia 16 em Almeirim:"Vitória, Vitória... Acabou-se a História". Vale a pena. Aprende-se muito. E depois devemos estar abertos à troca de experiências com os outros e aprender com a nossa própria experiência.
DIVIRTAM-SE! BOM TRABALHO

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